O homem de palha não se mexia. De pé, de braços abertos,
olhar perdido sobre um campo cultivado com trigo. Chapéu de palha na cabeça,
roupas velhas, passava os seus dias a ouvir o som cortante do vento que lhe
fustigava as mãos, única parte do corpo de palha que estava a descoberto. Os
olhos negros como breu percorriam a paisagem campestre sem que alguma vez
tivessem pestanejado, um olhar infinito e intenso, protetor até, atento a todos
os movimentos, reparando em cada pequena alteração na rotina.
Era essa, aliás, a sua função: zelar pela paz naquele
campo de trigo. Assegurar-se que não havia distúrbios na contínua quietude do
lento ciclo do cultivo. Sob a sua guarda não se daria qualquer incidente que
perturbasse o dia-a-dia, de sol a sol, em que a natureza seguia o seu ritmo,
indiferente às pessoas, às máquinas, ao próprio guardião que tudo vigiava.
Todas as manhãs, mais ou menos à mesma hora, pousava-lhe
um corvo sobre o braço direito. Já tinha entrado na rotina: o corvo chegava,
debicava-lhe um pouco o ombro, como quem cumprimenta amigavelmente, ficava uns
minutos a apreciar a brisa matinal, e voltava a levantar voo, para regressar no
dia seguinte.
O homem de palha começava a estranhar qualquer coisa
naquele ritual diário. A verdade é que lhe sabia bem a companhia, mas o corvo
parecia nunca lhe ter dado grande atenção. Chegava, dava a sua bicada amigável,
e depois saía sem uma palavra, sem um piar ou um cacarejar, voando negro pelo
céu recém-iluminado pelo nascer do sol. E o homem de palha queria um pouco
mais. Queria um amigo com quem falar, queria alguém interessado nas pequenas e
corriqueiras novidades que salpicavam o interminável tédio que eram os seus
dias. E as bicadas no ombro cada vez doíam mais, mesmo que o que doesse não
fossem as bicadas mas sim o silêncio e desinteresse que se lhes seguiam.
Até que uma vez, o homem de palha resolveu mexer-se.
Passou toda a noite em claro, a fletir os músculos de palha, a esticar os
tendões de palha, a dobrar as articulações de palha. Sentia-se em forma, capaz
de movimentos rápidos mas graciosos, fortes mas precisos. Desta vez, o corvo ia
prestar-lhe atenção. Desta vez não iria levantar voo sem um som que fosse. E, à
hora do costume, lá veio a ave. Pousou, como de costume, no braço do homem de
palha. Rápido como uma bala, sem que o corvo conseguisse esboçar reação, com o
outro braço atingiu-o com toda a força, projetando-o violentamente contra uma
árvore próxima. O impacto esmagou instantaneamente o crânio do pássaro, que
ficou inanimado no meio do chão, muito provavelmente morto.
O homem de palha voltou a colocar-se na sua posição
habitual: de pé, de braços abertos, olhar perdido sobre o campo cultivado com
trigo. Nos próximos dias ia sentir falta das bicadas no ombro, mas acabaria por
se esquecer e voltar a apreciar a solidão.
Sem comentários:
Enviar um comentário