21 de janeiro de 2015

[Hoje escrevi] Declaração Amigável


Teresa sentou-se, cabisbaixa. Hoje era como se as costas não encaixassem no banco. O Renault Clio bem recente, da empresa do pai, costumava ser confortável, mas hoje fazia-lhe lembrar os assentos de madeira do anfiteatro da universidade. Por algum motivo, o conforto ao sentar-se ficava-lhe impresso na memória, e sempre relacionado com momentos ou sensações. Os assentos de madeira, frios e inflexíveis, apareciam-lhe sempre ligados à impotência perante um assunto que não dominava e que não esperava dominar. Maneira engraçada de funcionar: o cérebro de Teresa emparelhava desconforto físico na coluna e no cóccix com as aulas de Cálculo. E, habitualmente, apoio lombar e costas aquecidas, cortesia do banco do Clio topo de gama, faziam-lhe vir à memória as tardes desperdiçadas em conversa lânguida, agora já tão longínquas. Tardes em que paravam o carro em frente ao rio, em que o sol que entrava pelos vidros brincava com as partículas de pó que se moviam em lentas e loucas danças, como se alguém filmasse o revirar de um furacão e depois o projectasse em câmara lenta, despido de fúria e de intempérie, transformado em calmo caos e sombras discretas. E naquela tarde, naquela exacta tarde em que Teresa sentiu o sangue a fervilhar nas suas veias e em que os seus olhos o viram com a Outra, uma Outra mais alta, mais esbelta, mais morena, mais sorridente, mais confiante, mais tudo o que Teresa não era, a decisão estava tomada. Agora que as suspeitas eram certezas, havia um plano para traçar, mas o que ia acontecer era inevitável.
A Outra ia pagá-las.