22 de abril de 2015

[Hoje escrevi] A última visita

O silêncio do quarto era apenas entrecortado pela respiração fraca e pelos ocasionais apitos agudos das máquinas. As paredes brancas presenciavam os últimos momentos daquela vida. Não tinha sido uma vida má. A mulher, bastante idosa, deitada de costas na cama, com máscara de oxigénio e vários fios aos quais o seu frágil coração se agarrava, lembrava-se de muito. Não de tudo, que a idade não ajudava à perfeição da memória, mas de muito. Tinha trabalhado uma vida inteira e tinha-se esforçado para ser competente e de confiança para todos os que com ela contavam. Nunca tinha tido muito sucesso financeiro, mas os vários empregos em escritórios que tinha coleccionado como cromos colados numa caderneta remuneraram-na suficientemente bem para que nada faltasse em casa. O marido, já falecido há oito anos, tinha tido uma carreira semelhante, e não lhes tinha faltado diversão. Céus, como se tinham divertido! Agora que sentia que o fim se aproximava, tinha a estranha sensação de que algo não estava completo. Como se um qualquer objectivo em tempos formulado mas há muito esquecido tivesse ficado por marcar como realizado. Mas, ao mesmo tempo, sentia que a vida dela tinha sido importante. Que ela tinha feito a diferença. Mas não conseguia apontar exactamente porquê - em que é que uma trabalhadora de escritório cujo principal mérito era teclar extremamente bem poderia fazer a diferença? E cansava-a, deixava-a exausta, tentar arranjar explicação para isso, e desistia, e acabava por atribuir essa sensação de real importância à soberba, uma réstia de assoberbada vaidade que lhe ocupava uma parte do velho coração. Os cabelos, brancos e frágeis mas outrora ruivos e vistosos, tinham presenciado toda a sua vida, e, com vaidade ou sem ela, a verdade é que tinha valido a pena. Por muito ou pouco que fizesse diferença no mundo, tinha valido a pena.

7 de fevereiro de 2015

[DO ARQUIVO] O corvo e o espantalho

O corvo tinha as suas preocupações. A cabeça estava cheia de ideias, de sonhos entre o puro e o perverso, e nenhum deles podia ser concretizado no imediato. Tinha, mesmo assim, de fazer pela vida. As crias precisavam de alimento, e com a seca, tinha mesmo de se aventurar para áreas que não conhecia tão bem. Nos campos que havia por ali tinham começado a aparecer homens, que o aterrorizavam. Homens estranhamente imóveis, certo; mas sempre que o corvo via um deles imaginava-o de arma em punho e recordava-se do ruído ensurdecedor de explosão que precedia uma chuva de chumbos que queimavam as penas e rasgavam a pele, ou pior, que tiravam a vida a tudo o que mexesse. O corvo mantinha distância dos homens. Mas aquele, naquele terreno em particular, parado de braços abertos, olhar perdido sobre terra recentemente lavrada, intrigava-o. Os olhos do homem estavam mortos, e, olhando com mais atenção, a cara e as mãos pareciam feitas de feno. Palha amarelada, aliás, bastante seca pelo sol abrasador.
O corvo começou a pensar como o homem devia estar a sofrer. Sozinho, isolado do mundo, olhos negros como breu em vigília permanente sobre o campo que lhe coube em sorte. Péssima profissão, a de espantalho – sem ninguém para conversar, sem um amigo com quem desabafar a dor dos dias que se sucediam. Cada dia que sobrevoava o homem e olhava para ele, sempre na mesma posição, braços paralelos ao chão como quem espera um abraço que não vem, o corvo tinha mais vontade de vencer o seu pavor de homens e aproximar-se. Até que um dia não resistiu: voou por ali, pousou na árvore mesmo ao lado, e, com um último mas corajoso salto, aterrou-lhe no ombro.
O homem, impávido e sereno, não moveu um músculo. Não que ele tivesse músculos, claro – era feito de palha. Mas a verdade é que não esboçou qualquer movimento. Não pestanejou, não respirou, não estremeceu. O corvo deu-lhe uma bicada amigável no ombro, mas o homem não reagiu, e manteve-se, olhar fixo no horizonte, braços acolhedores abertos ao máximo, na mesma posição em que sempre esteve. O corvo levantou voo, satisfeito consigo próprio: tinha conseguido ultrapassar o medo, e além disso tinha ajudado alguém que claramente precisava de saber que não estava totalmente sozinho.
A partir daí, o corvo introduziu este ritual na sua rotina. Todos os dias, à mesma hora, passava por aquele campo, aproximava-se do homem, pousava-lhe no ombro e dava-lhe uma leve bicada amigável. Um pequeno toque, um sinal de que havia alguém no mundo que se preocupava, que estava ali para o que fosse preciso. Um lampejo na escuridão para mostrar que, lá por ser feito de palha, isso não queria dizer que ele precisasse de se sentir abandonado.
E assim passaram muitos dias, vários meses, o corvo não sabia. Era só um corvo: a noção do tempo a passar não era a sua especialidade.
Até que, de uma das vezes que pousou no ombro do homem, o corvo sentiu algo de diferente. Um brilho novo nos olhos, que contrastava ainda mais com a palidez da palha estragada pelo calor. Um ligeiro, quase impercetível, estremecer do braço. O corvo não cabia em si de alegria: finalmente o homem ia deixar de ser tímido! Ia conversar com ele, desabafar os seus problemas, abrir o seu coração! Esperançado numa amizade verdadeira que começaria ali, o corvo esticou as penas do rabo e endireitou o bico. A última coisa que se lembra é do braço do homem, numa velocidade incrível, a bater-lhe em cheio no corpo. Foi de encontro à árvore com toda a força e tudo ficou escuro.

4 de fevereiro de 2015

[DO ARQUIVO] O espantalho e o corvo

O homem de palha não se mexia. De pé, de braços abertos, olhar perdido sobre um campo cultivado com trigo. Chapéu de palha na cabeça, roupas velhas, passava os seus dias a ouvir o som cortante do vento que lhe fustigava as mãos, única parte do corpo de palha que estava a descoberto. Os olhos negros como breu percorriam a paisagem campestre sem que alguma vez tivessem pestanejado, um olhar infinito e intenso, protetor até, atento a todos os movimentos, reparando em cada pequena alteração na rotina.
Era essa, aliás, a sua função: zelar pela paz naquele campo de trigo. Assegurar-se que não havia distúrbios na contínua quietude do lento ciclo do cultivo. Sob a sua guarda não se daria qualquer incidente que perturbasse o dia-a-dia, de sol a sol, em que a natureza seguia o seu ritmo, indiferente às pessoas, às máquinas, ao próprio guardião que tudo vigiava.
Todas as manhãs, mais ou menos à mesma hora, pousava-lhe um corvo sobre o braço direito. Já tinha entrado na rotina: o corvo chegava, debicava-lhe um pouco o ombro, como quem cumprimenta amigavelmente, ficava uns minutos a apreciar a brisa matinal, e voltava a levantar voo, para regressar no dia seguinte.
O homem de palha começava a estranhar qualquer coisa naquele ritual diário. A verdade é que lhe sabia bem a companhia, mas o corvo parecia nunca lhe ter dado grande atenção. Chegava, dava a sua bicada amigável, e depois saía sem uma palavra, sem um piar ou um cacarejar, voando negro pelo céu recém-iluminado pelo nascer do sol. E o homem de palha queria um pouco mais. Queria um amigo com quem falar, queria alguém interessado nas pequenas e corriqueiras novidades que salpicavam o interminável tédio que eram os seus dias. E as bicadas no ombro cada vez doíam mais, mesmo que o que doesse não fossem as bicadas mas sim o silêncio e desinteresse que se lhes seguiam.
Até que uma vez, o homem de palha resolveu mexer-se. Passou toda a noite em claro, a fletir os músculos de palha, a esticar os tendões de palha, a dobrar as articulações de palha. Sentia-se em forma, capaz de movimentos rápidos mas graciosos, fortes mas precisos. Desta vez, o corvo ia prestar-lhe atenção. Desta vez não iria levantar voo sem um som que fosse. E, à hora do costume, lá veio a ave. Pousou, como de costume, no braço do homem de palha. Rápido como uma bala, sem que o corvo conseguisse esboçar reação, com o outro braço atingiu-o com toda a força, projetando-o violentamente contra uma árvore próxima. O impacto esmagou instantaneamente o crânio do pássaro, que ficou inanimado no meio do chão, muito provavelmente morto.

O homem de palha voltou a colocar-se na sua posição habitual: de pé, de braços abertos, olhar perdido sobre o campo cultivado com trigo. Nos próximos dias ia sentir falta das bicadas no ombro, mas acabaria por se esquecer e voltar a apreciar a solidão.

21 de janeiro de 2015

[Hoje escrevi] Declaração Amigável


Teresa sentou-se, cabisbaixa. Hoje era como se as costas não encaixassem no banco. O Renault Clio bem recente, da empresa do pai, costumava ser confortável, mas hoje fazia-lhe lembrar os assentos de madeira do anfiteatro da universidade. Por algum motivo, o conforto ao sentar-se ficava-lhe impresso na memória, e sempre relacionado com momentos ou sensações. Os assentos de madeira, frios e inflexíveis, apareciam-lhe sempre ligados à impotência perante um assunto que não dominava e que não esperava dominar. Maneira engraçada de funcionar: o cérebro de Teresa emparelhava desconforto físico na coluna e no cóccix com as aulas de Cálculo. E, habitualmente, apoio lombar e costas aquecidas, cortesia do banco do Clio topo de gama, faziam-lhe vir à memória as tardes desperdiçadas em conversa lânguida, agora já tão longínquas. Tardes em que paravam o carro em frente ao rio, em que o sol que entrava pelos vidros brincava com as partículas de pó que se moviam em lentas e loucas danças, como se alguém filmasse o revirar de um furacão e depois o projectasse em câmara lenta, despido de fúria e de intempérie, transformado em calmo caos e sombras discretas. E naquela tarde, naquela exacta tarde em que Teresa sentiu o sangue a fervilhar nas suas veias e em que os seus olhos o viram com a Outra, uma Outra mais alta, mais esbelta, mais morena, mais sorridente, mais confiante, mais tudo o que Teresa não era, a decisão estava tomada. Agora que as suspeitas eram certezas, havia um plano para traçar, mas o que ia acontecer era inevitável.
A Outra ia pagá-las.

31 de dezembro de 2014

2014 em revista, José Rainho style

O ano que hoje acaba termina com muito frio e começou com um dedo do pé partido. Ajudei a que acontecesse um belo espetáculo de teatro musical carregando nuns quantos botões do computador enquanto encenadora e atores faziam todo o trabalho. Os Power Rangers fizeram bons resultados em quizzes, mas a Ranger Rosa voltou aos palcos, e depois deixou de ser desempregada, e o Ranger Branco fartou-se de responder a perguntas e passou a dedicar-se a desenhar brilhantemente. Mas foram uns meses de boas prestações. As atenções voltaram-se para hackers: primeiro a plataforma de elearning, depois toda a página web do colégio onde eu trabalho foram semanalmente vítimas de um hacker islâmico pacifista a defender que os muçulmanos não são todos terroristas, e que era simpático ao ponto de deixar a sua mensagem sem estragar nada. Houve notas, pautas, testes, avaliações, em quantidade insana mas fizeram-se todas, com mais ou menos dificuldade. O Sporting fez uma boa temporada, e começou outra menos boa, com treinador novo em rota de colisão com o presidente. Houve eleições, uma das quais me deu a minha terceira fita de Professor do Ano™, e que, curiosamente, teve tanta importância para o rumo do país como as Europeias. Houve o melhor álbum da carreira dos James, e fui a três concertos deles, em palcos tão díspares como Manchester, MEO Arena e... FNAC do Chiado. Criei um Instagram e enchi-o com fotos de paisagens e da minha gata. Não levei com nenhum balde de água gelada nem dancei em nenhum vídeo ao som da Happy do Pharrell Williams. Houve leais gatos pretos no Casino Estoril e cruxificações em Carregal do Sal. Dei duas ou três marretadas verbais em bullies de várias idades e feitios (don't be a bully, show tolerance and respect, B.A.☆). Joguei um bocadinho de Football Manager e muitos, muitos quizzes com a lendária equipa Meio Ponto, ressuscitei este blog, fui à ComicCon Portugal e, pelo meio, acabei por até sorrir bastante. E gosto de pensar que também fui responsável por uns quantos sorrisos nos rostos de outros.
Feliz 2015 para todos!

30 de novembro de 2014

Deixa uma luz acesa! James @ Meo Arena, 29/NOV/2014


Concertos em arenas enormes são sempre difíceis para qualquer banda, porque é demasiado fácil os artistas desligarem um pouco e tornarem-se demasiado impessoais quando à sua frente têm um mar de rostos que podem não ter uma ligação profunda à música que ouvem. Mas trata-se dos James, a banda cujos espetáculos têm por base precisamente essa ligação aos seus fãs, e o grupo de pessoas que veio comigo ao concerto estava bem disposto e optimista quanto ao que iam assistir. O MEO Arena é conhecido pela acústica e qualidade de som, na melhor das hipóteses, abaixo da média, portanto nesse campo não havia optimismo, mas às primeiras notas de Lose Control, completa com o Tim e o Andy a caminharem por entre a plateia para chegarem ao palco, era notável o trabalho que também nesse aspeto havia sido feito. A qualidade do som era de topo, cristalino e preciso, rico e alto mas sem ser demasiado alto.
A segunda canção, Oh My Heart, que o Tim descreve como sendo uma celebração dos momentos em que o nosso coração se parte em algo maior que o original, todos os sete já estão em palco, armados e perigosos com sorrisos gigantes e toneladas de carinho para distribuir. Walk Like You, música de abertura de La Petite Mort, é recebida muito positivamente pela plateia, que se junta ao Tim no seu falsete perfeito, e todos se perdem na dança na parte final da canção, expandida em relação ao álbum com um pouco de improviso e brilhantismo extra. A julgar pela quantidade de pessoas à minha volta a clamarem pela Emily nas suas camas, Frozen Britain é um sucesso entre os fãs, se não um sucesso comercial nas rádios. E é bastante óbvio que ainda todos se lembram de 7, um single perdido nos anos 90, e se deixam levar pelo troante trompete do Andy.
E depois todos dançamos.
Curse Curse é um êxtase de diversão, e segui-la com Laid é um toque de génio. 10 minutos bem medidos de dança frenética e as almas ficam contentes, e se os pulmões esvaziam, a verdade é que não há um rosto sem um sorriso naquela arena.
Aos sucessos dançáveis seguem-se duas mais obscuras. What's the World, uma das primeiras canções que os rapazes escreveram, contrasta com a desesperada e lânguida I Wanna Go Home. O Tim graceja que se esqueceu da letra, mas entoou cada palavra com precisão e honrou-nos com as suas características notas prolongadas, desta vez segurando uma delas por 47 segundos. All Good Boys é um B-side que merecia em pleno ser parte de um álbum, com maravilhosas harmonias vocais com o Larry, o Tim, o Andy e o Saul. Quicken the Dead, uma das canções menos conhecidas do La Petite Mort, tem uma lindíssima linha de piano do Mark e uma letra que questiona os objetivos a que nos propomos dada a curtíssima duração das nossas vidas. Just Like Fred Astaire é tratada pela arena com o estatuto de uma das canções preferidas dos fãs, estatuto esse que sempre teve, e, em seguida, a excitação acalma-se e todos ouvem com atenção as pérolas quase desconhecidas ou já esquecidas Jam J (que teve de ser reiniciada por causa de um problema num dos microfones), Dream Thrum e PS. A plateia faz, então, silêncio enquanto respeitosamente deixam o Tim cantar a sempre difícil e profundamente bela canção para a Gabrielle, All I'm Saying, pontuada por uma alma mais brincalhona que lhe atirou um lenço para ele limpar as lágrimas. Talvez o concerto tivesse beneficiado de separar estas últimas quatro colocando alguns sucessos pelo meio, porque quatro canções inadequadas à rádio e, portanto, menos famosas, todas de seguida, podem fazer com que a plateia se desinteresse um pouco. Mas, mais uma vez, é dos James que estamos a falar, portanto rapidamente voltam a acordar o edifício com uma interpretação de Getting Away With It (All Messed Up) em que o Tim, costas magoadas e tudo, se atira para cima dos fãs e é passado gentilmente de mão em mão arena fora, sem falhar uma nota que seja. "Like a boss", como dizem hoje em dia os miúdos.
Moving On é uma canção que, provavelmente, toca todos, porque cada um de nós já perdeu pessoas de quem gostava. E essas pessoas, quando partem, deixam sempre uma pequena luz acesa para nós. Aquece o peito de um fã acérrimo como eu ouvir aqueles milhares de pessoas a cantarem esta música do princípio ao fim. É incrível ver como Moving On acertou mesmo em cheio no coração dos fãs e é agora um total sucesso. Como, aliás, merece ser. Gone Baby Gone, a dinâmica e orelhuda canção para dançar que surpreendeu tudo e todos nesta tour, faz com que o Tim convide uns quantos a subirem ao palco e se divertirem com os rapazes. A banda termina o set principal com Sound, linda como sempre, e é assim que se faz milhares de adultos cantar em falsete em uníssono, milhares de corações latejando ao ritmo da batida do Dave. Foi um momento glorioso.
O encore começa com o Tim e o Andy nos balcões, e tocam outra das favoritas da plateia, Born of Frustration. A intro para a Interrogation demora uns bons 3 minutos, porque tanto cantor como trompetista tinham de voltar para o palco pelo caminho mais longo, mas quando arranca, a canção cresce e cresce cada vez mais, e a quantidade de vozes que se juntam prova, mais uma vez, a excelente receção que La Petite Mort tem tido em Portugal. E nada pode ser melhor que 10 minutos de união debaixo do guarda-chuva do hit massivo que é a Sometimes, que já não é uma música de uma banda de 7 elementos, mas sim uma música de uma banda de 10000 elementos, porque, como de costume, quando cantamos juntos, somos todos James.
E é exatamente isso o que torna os James tão diferentes. A banda adora os seus fãs e claramente ama aquilo que faz. Esse amor incondicional e palpável que emana deles é devolvido em decuplicado e faz com que os concertos sejam memoráveis. Claro que ajuda que a banda esteja em topo de forma, no pico das suas carreiras, mas o que faz a diferença é a ligação que eles têm com o público. Os James são, e escrevo isto sem qualquer sombra de hipérbole, a melhor banda ao vivo do mundo, sem exceções. Da próxima vez que eles estiverem por cá, façam um favor a vós próprios e comprem um bilhete. Não se vão arrepender. 

Leave a little light on! - James @ Meo Arena, Lisboa, 29/NOV/2014


Big arena gigs are always a bit tricky to pull off, because it's too easy to be a little too impersonal and detached from the sea of faces in front of you if they're not all deeply connected to the band. This is, of course, James we're talking about, and their shows are all about connecting to their fans, and my entourage was in a cheery and optimistic mood about the event we were about to witness. Meo Arena is known for its, at best, subpar acoustics and sound quality, so no optimism there, but from the first notes of Lose Control, complete with Tim and Andy walking through the crowd to get to the stage, it was noticeable that much work had been done to improve that. The sound quality was top-notch, crisp clear, rich and loud but not too loud.
By the second song, Oh My Heart, that Tim describes as a celebration of those times when your heart gets broken into something bigger, all seven boys are on stage, armed and dangerous with huge smiles and tons of love. Walk Like You, the opener from La Petite Mort, is very positively received by the crowd, that joins Tim in his pitch-perfect falsetto, and everyone loses track of themselves by the latter part of the song, expanded from the recorded version with a little bit of extra improvisation and flair. Judging by the amount of people in my section loudly calling for Emily to come to bed, Frozen Britain is already a hit among fans, if not a smashing commercial success in radios. And it's pretty obvious that everyone still remembers 7, a single long lost in the 90's, and they let themselves be carried away by Andy's soaring trumpet calls.
Then we dance.
Curse Curse is ecstatic fun, and to follow it up with Laid has been a stroke of genious. 10 solid minutes of frantic dancing later, the souls are pleased and the lungs are empty, and not a face is spotted without a smile.
Two semi obscure songs follow the dancey hits. What's the World, one of the first they ever wrote, contrasts with the desperate and langourous I Wanna Go Home. Tim jokes that he's forgotten the lyrics, but he gets to every word with precision and graces us with his trademark really, really prolonged note, this time hitting the 47 seconds mark. All Good Boys is a B-side that fully deserved to be in an album, with gorgeous vocal harmonies from Larry, Tim, Andy and Saul. Quicken the Dead, one of the lesser known songs from La Petite Mort, features some beautiful piano work by Mark as well as lyrics that question the goals we set for ourselves in our very limited life spans. Just Like Fred Astaire is treated by the arena as the fan-favourite it has always been, and then the mood comes down and everyone listens attentively to the mostly unknown or forgotten gems Jam J (which had to be restarted due to a faulty microphone), Dream Thrum and PS. The crowd then respectfully keeps their quiet to let Tim hit the always difficult, deeply beautiful song for Gabrielle, All I'm Saying, punctuated by some playful soul that threw him a handkerchief for his tears. Perhaps the gig would have benefitted if these last four tunes would have been placed in between major hits, as four less radio friendly and less famous songs in a row can get a crowd to lose their focus a bit, but once again, this is James we're reviewing, and they quickly wake the building up with a rendition of Getting Away With It (All Messed Up) that has Tim, injured back and all, crowd surfing around the arena, passed gently from hand to hand without missing a note. "Like a boss", as kids say these days.
Moving On is a song that pretty much touches everyone, because each and every one of us has lost people that we cared deeply about. And the ones we love will always leave a little light on for us. It was truly heart-warming to hear so many hundreds of people singing this along. It's wonderful to realize that Moving On has really caught up and is now a true major hit. As it fully deserves. Gone Baby Gone, the dynamic and catchy dance tune that has taken everyone in this tour by surprise, sees Tim invite a few fans to the stage, and they dance the night away. The band finishes off the main set with Sound, beautiful as always, and that's how you have thousands of adults united in falsetto, thousands of hearts thumping as one to Dave's beat. A beautiful moment, right there.
The encore starts with Tim and Andy in the balconies, for the crowd-favourite Born of Frustration. The intro to Interrogation takes a good three minutes, because both singer and trumpet player need to come back to the stage, the long way round, but once it gets going, the song grows and grows and the voices joining in prove, once again, the great reception La Petite Mort has had in Portugal. And nothing can surpass 10 minutes of bonding over such a massive hit as Sometimes, that is no longer a song by the British 7-piece alternative rock band James but rather a song by the global 10,000-piece alternative rock band James, because once again, singing together, we are all James.And that's exactly what's so different about James. The band love their fans and clearly love what they do. The unconditional, reach-out-and-touch-it love that transpires from them is returned tenfold and makes for amazing live concerts. It obviously helps that the band are on top form, at the peak of their careers, but what makes the difference is the connection they have with the audience. James are, and I type this with zero hyperbole, the best live band around, bar none. The next time they're around your town, do yourselves a favour and grab a ticket. You will not regret it. 

23 de novembro de 2014

Nada de pânico

As minhas sextas-feiras são sempre dignas de registo, e quando digo "dignas de registo" na verdade quero dizer "o oráculo de Delfos sugeriu a Hércules, para que ele se redimisse de ter assassinado a família e se tornasse imortal, que substituisse o José Rainho às sextas no ano letivo de 2014/15, ou, em alternativa, que executasse Doze Trabalhos. Ele preferiu os Doze Trabalhos, porque incluíam coisas mais fáceis e menos cansativas, tipo matar Hidras, limpar cocó produzido por três mil bois ao longo de trinta anos ou derrotar um dragão de cem cabeças". Portanto, como devem calcular, fico, todas as semanas, extremamente contente quando chega o sábado. Esta semana, ainda mais, porque até tinha umas turmas de testes para corrigir, outras para preparar, e várias tarefas que se acumularam durante a semana para fazer. Nada de pânico: tinha chegado o fim de semana!
Adormeci um pouco tarde, já depois da uma da manhã, fruto de uma noite de festa rija (como se os meus leitores acreditassem...), e estranhei quando acordei às 4 da manhã, a tremer de frio e sem me conseguir mexer. Tudo me doía; o meu estômago, revolto, comunicava ao intestino a sua intenção de sair pela boca fora, e o intestino afirmava que sim, que fazia bem, que era de maneira que lhe sobrava espaço para ele, até porque espaço era coisa que já não havia, de tão inchado que estava; os olhos hesitavam entre chorar e arder, e perante este empate técnico tipo congresso do Bloco de Esquerda, optavam pela sábia conjugação das duas moções, que se apressavam em cumprir simultaneamente; o pijama picava na pele como se o seu interior fosse feito de pionés em brasa (sempre adorei este aportuguesamento de punaises); a pele fervia de tal forma que, se aquela memorável cena do filme Nove Semanas e Meia fosse executada na minha testa e não no umbigo de Kim Basinger, deixaria de ser um thriller erótico e passaria a ser um programa de culinária.
Nada de pânico. Levantei-me, com dificuldade, e fui emborcar paracetamol. Aproveitei para medir a temperatura, eram 38 graus e não 45, portanto a febre real era mais fraca do que a que eu sentia por dentro. Voltei-me a deitar, e passei duas saborosas horas, enrolado nas mantas, a tremer, sempre a tremer como se fosse uma Panna Cotta do restaurante Prima Pasta na Rua da Madalena, e olhem que eu gosto do restaurante Prima Pasta mas as sobremesas deles tremem tanto que uma vez parti uma ao meio antes de a começar a comer, só para ver se não corria o risco de acidentalmente engolir um motor a pilhas. Lá consegui adormecer com o nascer do Sol, para acordar mais ou menos no mesmo estado a meio da manhã.
À custa de muito paracetamol, descanso, chá e agasalho, acho que o pior já passou - já não tenho febre e sinto-me bastante melhor. Continuo com as turmas de testes para corrigir, as outras para preparar, e várias tarefas que se acumularam durante a semana para fazer, mas achei que o tempo era mais bem empregue com um post neste blog. Nada de pânico: trabalho amanhã.
Boa semana a todos!

18 de novembro de 2014

Violência histórica

Hoje vigiei um teste de História que incluía uma descrição assaz violenta sobre como o Mestre matou o Conde (para os mais conhecedores, trata-se do Mestre de Avis, posteriormente D. João I, e do Conde de Andeiro) com um golpe de cutelo na cabeça, após o qual a vítima fugiu para o quarto da Rainha, cambaleando, indefeso e agonizante, tendo a sua vida sido finalmente terminada com uma espada pelos intestinos adentro. Os outros aliados de D. João queriam continuar a agressão ao agora cadáver que jazia no chão, mas o Mestre de Avis não deixou. Obrigado, Fernão Lopes, por nos recontares de forma tão gráfica eventos históricos que, se fossem retratados cabalmente em filme, certamente conseguiriam uma classificação que iria impedir os que os estudam de os ver no cinema.

O documento em questão também fascinou os alunos que, perante questões que lhes pediam para identificar personagens, alvitrar consequências e relacionar eventos, me faziam perguntas tão pertinentes como "mas como é que alguém sobrevive depois de um golpe de cutelo na cabeça e consegue fugir até outra divisão da casa?" É que, convenhamos, em História até podem ter dificuldades, mas são veteranos em filmes violentos.

Mudando de assunto, será que isto ainda funciona?

Ponderei enviar um email a dizer "Está de volta o Mudando de Assunto, discípulo original da Geração Óbvia, desta vez sem compromisso de ser diário" ou algo do género, mas a verdade é que o MdA só fazia sentido sendo diário, não é? Imaginei uma nova newsletter, com periodicidade irregular, e depois disse para mim próprio "ó Zé, a falar sozinho outra vez?", mas já que tinha começado, continuei, "isso que estás aí a magicar não é uma newsletter, é um blog!", e foi nessa altura que o meu rim esquerdo gritou "ó pá, tu já tens um blog, só tens de o reativar", que o meu rim esquerdo às vezes pensa e até dá sugestões inteligentes.


É então um formato diferente,  e vou escrever mais coisas até me fartar, porque é assim que os blogs funcionam. Projetos efémeros, que têm a nossa total atenção durante algum tempo e depois são abandonados sem apelo nem agravo. Os objetivos, esses, continuam a ser os mesmos: escrever mais, para eventualmente escrever melhor, e partilhar com quem quiser ler os textos que a minha caneta resolver produzir, sobre os mais variados temas, com diversas formas e feitios, escritos muitas vezes ao correr da pena à medida que as ideias forem surgindo. Ficam por aí e mudam de assunto comigo?